Poesia do dia


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Caros alunos, demais leitores,

Hoje trago para vocês uma representante feminina da poesia americana: Laura Riding. Percebam sua sensibilidade.....o jogo de palavras..... o impacto..... Vale a pena conferir !

FIM DO MUNDO

Laura Riding



O tímpano está no fim

A íris ficou transparente.

O sentido se desgasta.

Até o sentido está transparente.

A pressa alcança a pressa.

A terra arredonda a terra.

A mente encosta a mente.

Claro espetáculo: cadê o olho?

Tudo perdido, nenhum perigo

Força a mão heróica.

Corpos não se opõem mais

Um contra o outro. O mundo acabado

É semelhança em toda parte.

Caem os nomes do contraste

No centro que se expande.

O mar seco estende o universal.

Nem súplica nem negativa

Perturbam a evidência geral.

A lógica tem lógica, e eles ficam

Trancados nos braços um do outro,

Senão seriam loucos,

Com tudo perdido e nada que prove

Que até o nada sobrevive ao amor.

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Caros alunos,

Trago para vocês hoje uma poesia de um clássico mundial: Rainer Maria Rilke. Vale a pena conhecer sua obra... aqui vai só uma porçãozinha, para que se entusiasmem....

Canção de amor

Como hei-de segurar a minha alma

para que não toque na tua? Como hei-de

elevá-la acima de ti, até outras coisas?

Ah, como gostaria de levá-la

até um sítio perdido na escuridão

até um lugar estranho e silencioso

que não se agita, quando o teu coração treme.

Pois o que nos toca, a ti e a mim,

isso nos une, como um arco de violino

que de duas cordas solta uma só nota.

A que instrumento estamos atados?

E que violinista nos tem em suas mãos?

Oh, doce canção.

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 Resultado de imagem para violino de duas cordas

Tudo é vago e muito vário

meu destino não tem siso,

o que eu quero não tem preço

ter um preço é necessário,

e nada disso é preciso

<Paulo Leminski>


TERNURA - Vinicius de Moraes

Eu te peço perdão por te amar de repente

Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos

Das horas que passei à sombra dos teus gestos

Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos

Das noites que vivi acalentado

Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo

Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.

E posso te dizer que o grande afeto que te deixo

Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas

Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...

É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias

E só te pede que te repouses quieta, muito quieta

E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.


Por um lindésimo de segundo - Paulo Leminski

Tudo em mim

anda a mil

tudo assim  

tudo por um fio 

tudo feito  

tudo estivesse 

no cio 

tudo pisando macio

tudo psiu  


tudo em minha volta  

anda às tontas 

como se as coisas  

fossem todas 

afinal de contas.


Soneto - Ana Cristina César

Pergunto aqui se sou louca

Quem quer saberá dizer

Pergunto mais, se sou sã

E ainda mais, se sou eu


Que uso o viés pra amar

E finjo fingir que finjo

Adorar o fingimento

Fingindo que sou fingida


Pergunto aqui meus senhores

quem é a loura donzela

que se chama Ana Cristina

E que se diz ser alguém

É um fenômeno mor

Ou é um lapso sutil?


Recordo ainda - Mário Quintana

(Em homenagem ao Dia das Crianças)

Recordo ainda... e nada mais me importa...

Aqueles dias de uma luz tão mansa

Que me deixavam, sempre, de lembrança,

Algum brinquedo novo à minha porta...


Mas veio um vento de Desesperança

Soprando cinzas pela noite morta!

E eu pendurei na galharia torta

Todos os meus brinquedos de criança...


Estrada afora após segui... Mas, aí,

Embora idade e senso eu aparente

Não vos iludais o velho que aqui vai:


Eu quero os meus brinquedos novamente!

Sou um pobre menino... acreditai!...

Que envelheceu, um dia, de repente!...



A MAIOR RIQUEZA DO HOMEM É A SUA INCOMPLETUDE - 
Manoel de Barros

(Dedicado à nossa querida administradora Márcia Molina)

A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Memória - Carlos Drummond de Andrade

Amar o perdido

deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

O Anel de Vidro - Manoel Bandeira

    Aquele pequenino anel que tu me deste,
    — Ai de mim — era vidro e logo se quebrou
    Assim também o eterno amor que prometeste,
    — Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

    Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
    Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, —
    Aquele pequenino anel que tu me deste,
    — Ai de mim — era vidro e logo se quebrou


    Não me turbou, porém, o despeito que investe
    Gritando maldições contra aquilo que amou.
    De ti conservo no peito a saudade celeste
    Como também guardei o pó que me ficou
    Daquele pequenino anel que tu me deste

    Eu amo tudo o que foi - Fernando Pessoa

    Eu amo tudo o que foi,
    Tudo o que já não é,
    A dor que já me não dói,
    A antiga e errônea fé,
    O ontem que dor deixou,
    O que deixou alegria
    Só porque foi, e voou
    E hoje é já outro dia.

VIA-LÁCTEA
(Dedicado à nossa amiga e administradora Rayanne Silveira)
I

Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada,
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de súplicas, feria...

Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! sonhos meus! Íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.

E, ó meu amor! eu te buscava, quando 
Vi que no alto surgias, calma e bela, 
O olhar celeste para o meu baixando...

Versos Íntimos - Augusto dos Anjos

(Dedicado ao nosso amigo Spartacus Souza)

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Soneto de Fidelidade - Vinicius de Moraes

(Dedicado ao nosso amigo Marcelo Matheus)

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama 
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Bem no fundo - Paulo Leminsk

No fundo, no fundo,
 bem lá no fundo,
 a gente gostaria
 de ver nossos problemas
 resolvidos por decreto

 a partir desta data,
 aquela mágoa sem remédio
 é considerada nula
 e sobre ela -- silêncio perpétuo

 extinto por lei todo o remorso,
 maldito seja quem olhar pra trás, 
lá pra trás não há nada,
 e nada mais

 mas problemas não se resolvem,
 problemas têm família grande,
 e aos domingos saem todos passear
 o problema, sua senhora
 e outros pequenos probleminhas.



Amor Amor- Cacaso


Quando o mar

quando o mar tem mais segredo
não é quando ele se agita

nem é quando é tempestade

nem é quando é ventania

quando o mar tem mais segredo

é quando é calmaria



quando o amor

quando o amor tem mais perigo
não é quando ele se arrisca

nem é quando ele se ausenta

nem quando eu me desespero

quando o amor tem mais perigo

é quando ele é sincero

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