Acabaram minhas férias.... que pena !!!
Estava, contudo, com saudades de estar presente aqui, de certa forma, dialogando com vocês ....
Hoje, retornando às atividades, trouxe para todos um conto muito interessante, que reúne inúmeras lendas, em especial, do Maranhão....
As autoras, duas jovens: Iracema e Ellen, que tiveram o texto abaixo premiado na escola em que estudavam....
Parabéns, meninas !!!
Deleitem-se todos !!!
Despedida
Iracema
Capistrano Costa Fook
Ellen
Mariana Moreira Reis
O
indigente remexeu-se, inquieto. Empurrou para o lado sua manta
surrada e inspirou profundamente o ar úmido, recostando a cabeça
nos azulejos frios. Algo o acordara, não sabia dizer o quê.
Espreguiçou-se e bocejou, lançando no ar um odor ligeiramente
alcoólico, enquanto varria a escuridão com o olhar: a noite invadia
a rua parcamente iluminada à sua frente, escorrendo pelos azulejos
rachados e deixando-se cair nos paralelepípedos gastos; poucos
postes projetavam suas sombras delgadas sobre as pesadas portas de
madeira das casas, todas devidamente trancadas e gradeadas.
Apesar
da usual calmaria, o indigente podia perceber algo no ar, quase como
um cheiro, algo que o incitava a sair dali. Respiração suspensa e
coração palpitante, ele parou, esforçando-se, e... Ele ouviu. Um
som rítmico que aumentava rapidamente, como algo que se aproximava a
grande velocidade. O suor encharcou sua roupa e o medo dilatou suas
pupilas quando reconheceu o som. Cavalos. E ele sabia quem vinha com
eles. Disparou na direção oposta ao som, sem parar para recolher
seus poucos pertences, sumindo na esquina no instante em que a
carruagem negra surgia no topo da rua.
Brilhantemente
esculpida e ricamente adornada, a carruagem fundia-se com a noite
como se dela fosse parte, somente visível graças às vivas
labaredas que partiam dos pescoços dos grandes cavalos lustrosos e
de seu elegante condutor decapitado. Dentro da carruagem, uma boca
crispou-se ao ver as coisas do mendigo no calçadão. Aquilo nunca
mudava. Não importava quanto tempo passava, eles sempre estavam lá
para arruinar a paisagem da cidade. Da sua cidade. Procurou bani-los
novamente de sua mente. Havia algo que devia fazer hoje, e devia
despedir-se antes de fazê-lo. Afinal, aquele era o seu lar.
Fechou
as cortinas e os olhos, permitindo-se sentir a ilha. A carruagem voou
pelo centro histórico, com uma breve pausa na antiga morada da
Donana, onde ela acariciou seus leões pela última vez. Atravessaram
a ponte e adentraram aquele espetáculo de luzes artificiais e
imponentes construções; ninguém os percebia ali, onde haviam sido
engolidos pela ciência e pela racionalidade, onde a transformaram
numa historinha para assustar crianças. Um sorriso brincou em seus
lábios rubros. Toda história sempre tem um fundo real. Eles
deveriam saber.
Passou
os olhos por sua Atenas Brasileira, pelas palmeiras onde ainda canta
o sabiá, e ouviu ressoar pela cidade todos os motivos pelos quais
também é a Jamaica Brasileira. Relembrou as incontáveis festas que
presenciou, guardando com especial carinho o encanto e a folia dos
bois; passou pelas praias da Ilha do Amor, onde uma índia ainda tem
lacrimosos seus olhos d'água, à espera de sua paixão tomada pelo
mar e fez uma segunda parada na Ponta D'Areia, apreciando a vista
agora espelhada e pensando na sereia feliz uma vez avistada ali.
Contemplou a alva Manguda a brincar com seus contrabandistas e
vislumbrou de longe o Touro Negro, dançando com os albinos à luz de
sua estrela dourada. Percorreu os bairros pobres e ricos, as praças
antigas e as modernas, fazendo questão de gravar cada pedra e cada
folha à brasas em sua memória. Passou por sua lagoa e, quando
sentiu um aperto no peito, decidiu que bastava. Enviou uma gota final
ao Palácio das Lágrimas e aprumou-se. Já era a hora.
A noite
entrava em sua mais negra parte, logo antes da aurora, quando a
carruagem parou na frente da Fonte do Ribeirão. Cachos negros como
carvão e olhos cintilantes como pérolas, a elegante figura desceu
da carruagem e dirigiu-se, decidida, para a fonte.
-Acorde!
- a ordem reverberou pelo espaço, com a autoridade e a confiança
dos que passaram a vida reinando sobre os outros. Nada aconteceu.
Ela
aproximou-se mais da fonte, trazendo sua delicada face à saída do
túnel, e sussurrou:
-
Acorde, mademoiselle... Já faz quatrocentos anos, chegou a hora... -
abaixando-se ainda mais e usando seu tom mais persuasivo, disse –
Tu deves acordar...
Um
tremor, quase imperceptível, sacudiu a ilha. Com o canto dos olhos,
captou um brilho vermelho e sorriu tristemente para a cena que
testemunhava. Podia sentir os músculos fortes e escorregadios se
espreguiçando por sob a cidade, fortes escamas, brilhantes como
esmeraldas, roçando contra os túneis. Majestosa, a serpente estava
despertando.
O Sol
ameaçava sair no horizonte quando a dama levantou-se e caminhou
tranquilamente para sua carruagem, cantarolando baixinho “Eu jamais
te esquecerei, São Luís do Maranhão...”.
Lindo texto, amei! Obrigado minha querida professora Márcia pela seleção de textos de altíssimo valor literário para o blog. Abraço!
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