sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Voltando às atividades.....

Caros alunos, demais leitores,


Acabaram minhas férias.... que pena !!!
Estava, contudo, com saudades de estar presente aqui,  de certa forma, dialogando com vocês ....

Hoje, retornando às atividades, trouxe para todos um conto muito interessante, que reúne inúmeras lendas, em especial, do Maranhão....

As autoras,  duas jovens: Iracema e Ellen,  que tiveram o texto abaixo premiado na escola em que estudavam....

Parabéns, meninas !!!

Deleitem-se  todos !!!


Despedida

                                                                              Iracema Capistrano Costa Fook
                                                                              Ellen Mariana Moreira Reis



O indigente remexeu-se, inquieto. Empurrou para o lado sua manta surrada e inspirou profundamente o ar úmido, recostando a cabeça nos azulejos frios. Algo o acordara, não sabia dizer o quê. Espreguiçou-se e bocejou, lançando no ar um odor ligeiramente alcoólico, enquanto varria a escuridão com o olhar: a noite invadia a rua parcamente iluminada à sua frente, escorrendo pelos azulejos rachados e deixando-se cair nos paralelepípedos gastos; poucos postes projetavam suas sombras delgadas sobre as pesadas portas de madeira das casas, todas devidamente trancadas e gradeadas.
Apesar da usual calmaria, o indigente podia perceber algo no ar, quase como um cheiro, algo que o incitava a sair dali. Respiração suspensa e coração palpitante, ele parou, esforçando-se, e... Ele ouviu. Um som rítmico que aumentava rapidamente, como algo que se aproximava a grande velocidade. O suor encharcou sua roupa e o medo dilatou suas pupilas quando reconheceu o som. Cavalos. E ele sabia quem vinha com eles. Disparou na direção oposta ao som, sem parar para recolher seus poucos pertences, sumindo na esquina no instante em que a carruagem negra surgia no topo da rua.
Brilhantemente esculpida e ricamente adornada, a carruagem fundia-se com a noite como se dela fosse parte, somente visível graças às vivas labaredas que partiam dos pescoços dos grandes cavalos lustrosos e de seu elegante condutor decapitado. Dentro da carruagem, uma boca crispou-se ao ver as coisas do mendigo no calçadão. Aquilo nunca mudava. Não importava quanto tempo passava, eles sempre estavam lá para arruinar a paisagem da cidade. Da sua cidade. Procurou bani-los novamente de sua mente. Havia algo que devia fazer hoje, e devia despedir-se antes de fazê-lo. Afinal, aquele era o seu lar.
Fechou as cortinas e os olhos, permitindo-se sentir a ilha. A carruagem voou pelo centro histórico, com uma breve pausa na antiga morada da Donana, onde ela acariciou seus leões pela última vez. Atravessaram a ponte e adentraram aquele espetáculo de luzes artificiais e imponentes construções; ninguém os percebia ali, onde haviam sido engolidos pela ciência e pela racionalidade, onde a transformaram numa historinha para assustar crianças. Um sorriso brincou em seus lábios rubros. Toda história sempre tem um fundo real. Eles deveriam saber.
Passou os olhos por sua Atenas Brasileira, pelas palmeiras onde ainda canta o sabiá, e ouviu ressoar pela cidade todos os motivos pelos quais também é a Jamaica Brasileira. Relembrou as incontáveis festas que presenciou, guardando com especial carinho o encanto e a folia dos bois; passou pelas praias da Ilha do Amor, onde uma índia ainda tem lacrimosos seus olhos d'água, à espera de sua paixão tomada pelo mar e fez uma segunda parada na Ponta D'Areia, apreciando a vista agora espelhada e pensando na sereia feliz uma vez avistada ali. Contemplou a alva Manguda a brincar com seus contrabandistas e vislumbrou de longe o Touro Negro, dançando com os albinos à luz de sua estrela dourada. Percorreu os bairros pobres e ricos, as praças antigas e as modernas, fazendo questão de gravar cada pedra e cada folha à brasas em sua memória. Passou por sua lagoa e, quando sentiu um aperto no peito, decidiu que bastava. Enviou uma gota final ao Palácio das Lágrimas e aprumou-se. Já era a hora.
A noite entrava em sua mais negra parte, logo antes da aurora, quando a carruagem parou na frente da Fonte do Ribeirão. Cachos negros como carvão e olhos cintilantes como pérolas, a elegante figura desceu da carruagem e dirigiu-se, decidida, para a fonte.
-Acorde! - a ordem reverberou pelo espaço, com a autoridade e a confiança dos que passaram a vida reinando sobre os outros. Nada aconteceu.
Ela aproximou-se mais da fonte, trazendo sua delicada face à saída do túnel, e sussurrou:
- Acorde, mademoiselle... Já faz quatrocentos anos, chegou a hora... - abaixando-se ainda mais e usando seu tom mais persuasivo, disse – Tu deves acordar...
Um tremor, quase imperceptível, sacudiu a ilha. Com o canto dos olhos, captou um brilho vermelho e sorriu tristemente para a cena que testemunhava. Podia sentir os músculos fortes e escorregadios se espreguiçando por sob a cidade, fortes escamas, brilhantes como esmeraldas, roçando contra os túneis. Majestosa, a serpente estava despertando.

O Sol ameaçava sair no horizonte quando a dama levantou-se e caminhou tranquilamente para sua carruagem, cantarolando baixinho “Eu jamais te esquecerei, São Luís do Maranhão...”.

Um comentário:

  1. Lindo texto, amei! Obrigado minha querida professora Márcia pela seleção de textos de altíssimo valor literário para o blog. Abraço!

    ResponderExcluir